Professor, Historiador e Ativista.
Nesses últimos tempos, difíceis, conturbados, mas não
inéditos, estamos sendo levados, a encarar nossas principais mazelas e nossos
principais erros enquanto sociedade global e espécie integrante deste pequeno
planeta que chamamos de Terra.
E esse momento me leva a pensar: como nada do que estamos
vendo é incomum, o que aconteceu com a memória e a história de nosso mundo? Não
foi escrita? Os mnemons (homens da memória) esqueceram o que viram ou
ouviram? Houve um “apagão” generalizado, causando perda coletiva dos sentidos
sobre a realidade? Não foi possível apreender e aprender nada com o passado? Os
livros foram rasgados? As vozes foram caladas?
As perguntas se espraiam longamente, como um horizonte que
foge ao caminhante que persegue a linha tênue que limita sua visão. Mas a
jornada, me parece, começa a ficar tediosa e cansativa quando não sabemos onde
queremos chegar ou, ao menos, que caminho tomar. Quando as dúvidas se
acumulam sem respostas, o peso dos passos nos prendem.
Mas, veja, ao começar a escrever essas linhas, perdido sob o manto de tantas questões, não quis fazer disso uma narrativa de descompassos. Quis eu, antes, tentar entender sobre como é possível relativizar a História e os Fatos Históricos em seu teor científico e quais são as consequências disso em nosso cotidiano, em nossas vidas.
Pode soar redundante a ideia de relativizar a história. Parece que nesses
dias que vivemos tornou-se regra a concepção de que tudo, absolutamente tudo, tem
diversas versões que devem ser consideradas como verdade. E quando essas
versões entram em conflito, entra no jogo o poder de fazer sua versão a verdade
aceita, sem importar se esta possui laços firmes com a realidade material
do mundo ou se faz parte apenas de delírios ou devaneios.
Ao reler o que escrevi acima, vi que relatei nada mais
do que o desenvolvimento dialético da História. Não consigo não pensar assim (talvez essa seja a minha verdade).
Mas quando penso sobre o grande movimento de relativização da História, consigo finalmente distinguir o perigoso combustível para essa onda: o negacionismo.
Novamente tenho que dizer que esse instrumento social, o
negacionismo, não é algo inédito. Nós praticamos frequentemente esse ato,
quanto nos defrontamos com situações por demais estressantes e o nosso cérebro dispara
um gatilho de fuga, numa busca visceral por sobreviver.
Mas o que acontece é que esse gatilho natural tem sido usado
das piores formas possíveis. Argumentos, fatos, verdades científicas, começam a
ser negadas pela simples questão da disputa de poderes políticos alimentados
por distorções ideológicas e impulsionados pelos interesses do capital em manter
um status de desinformação das massas dos trabalhadores.
É preciso compreender que a política faz parte da sociedade,
mas não se pode distorcer a realidade! Sendo a política, em sua raiz
greco-romana, a arte da escolha, não é possível simplesmente escolher acreditar
ou não em coisas como a ciência, ou o mundo material, por exemplo.
E, para ser redundante, o exemplo mais patético disso é a
onda negacionista que afirma que o planeta terra é plano, isso quando milhares
(isso mesmo) milhares de anos de estudos e comprovações materiais já
estabeleceram que nosso planeta possui formato próximo ao esférico, ou seja, o
planeta é redondo!
Esse exemplo patético, abre as portas para coisas muito mais
sérias e impactantes como as campanhas antivacina que incentivam as pessoas a não tomar as
doses de imunizantes altamente conhecidos e eficientes que erradicaram um
grande número de doenças como o Sarampo, a Poliomielite, a Difteria e a Rubéola.
Acredito que muitos dos leitores nem sequer sabem que doenças
são essas, e isso graças ao uso do Calendário Vacinal amplamente executado no
Brasil, e que evitaram milhares, talvez milhões, de vítimas nas últimas décadas
pois não temos mais a circulação desses males em nossa sociedade.
Mas se rebater a negação de fatos científicos largamente
comprovados e verificados inúmeras vezes tem sido cada dia mais difícil,
imagine quando o objeto da negação orbita os mundos políticos e ideológicos. A
tarefa se torna colossal, digna do próprio Atlas que, condenado a carregar o
mundo nas costas, seria o único capaz de suportar o peso de tamanha ameaça à existência
humana.
E aqui voltamos ao problema inicial: a relativização das
verdades históricas pela deprimente retórica do negacionismo político. Já vimos
isso acontecer e de forma extremamente trágica: a negação do Holocausto.
Essa questão, inclusive, foi levada às barras da Justiça
Inglesa no Caso Lipstad contra Irving, quando este último, conhecido
negacionista e revisionista histórico, questionou o trabalho da professora de
história Deborah Lipstadt sobre o genocídio praticado pelo governo
nazista comandado por Adolf Hitler na Alemanha, contra diversas minorias étnicas,
sendo os judeus os principais alvos.
O assunto de que trato aqui é por demais sério e complexo,
mas não desejo torná-lo longo demais, por isso faço um exercício de imaginação:
e se o negacionismo histórico chegasse em sala de aula?
Seria possível ver surgir um mundo paralelo onde não teria
havido Holocausto e as grandes vítimas da 2ª Guerra Mundial seriam os Nazistas,
frustrados em seu plano de melhorar a raça humana. Ou ainda, no Brasil não
teria havido Golpe Militar nem muito menos Ditadura, pois os militares estavam apenas lutando por
proteger o povo brasileiro de uma ameaça comunista.
De algum lugar, nesse mundo distópico, saltaria alguém para
dizer que não houve extermínio dos povos originários, apenas os selvagens foram
vítimas deles mesmos, de sua falta de humanidade, de sua natural inaptidão à adaptar-se ao mundo moderno, pois eram mais animais do que
gente.
Nesse lastro pós-apocalíptico, a violência doméstica seria
uma regra, devendo as mulheres voltar a seu lugar de dever: cuidar dos homens,
aceitar sua vida como uma benção masculina e agradecer as agressões diárias, pois a dor física e psicologica as levariam se tornar uma pessoas melhores, tendo pago a pena de ter nascido fêmea.
Caro leitor, faço esse exercício de abstração somente para
imaginar como o mundo seria sem o exercício do aprendizado da História e de
suas lições para a construção de nossa sociedade. Não há presente sem ter
havido um passado, isto é fato! Mas precisamos garantir que, em tempos de
escuridão nos quais nos encontramos, sejamos capazes e dispostos acender uma luz
sobre o que está acontecendo ao nosso redor.
E acredito que a História é parte dessa luz.
Fonte da imagem: http://lemad.fflch.usp.br/node/5326
Excelente reflexão! Esse texto precisa ser bastante divulgado, pois o mesmo nos mostra o grave risco de não atentarmos para os erros do passado, caso contrário, eles se tornarão nosso desastroso futuro, se é que isso já não está acontecendo.
ResponderExcluirGrato por sua genial colaboração em escrever esse belo e sustentador conjunto de sólidos argumentos!!!