AS DISPUTAS DA MEMÓRIA NA CIDADE DE ARARUNA... OU A MISTURA ESTRANHA ENTRE PODER, POLÍTICA E MEMÓRIA DO POVO!
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Vista da Praça João
Pessoa e do Antigo Mercado Público em 1953. Foto: Edite Macêdo.
Fonte: https://www.araruna.pb.gov.br/noticias/mercado-cultural.html |
Por: João Andrade.
Professor, Historiador e Ativista.
Uma coisa interessante sobre a política e o exercício do
poder é a construção da memória ou, ao menos, a manipulação dela, pois uma
coisa que parece ser uma verdade é que nosso povo não cultiva muito bem essa
tão necessária habilidade.
É muito comum, inclusive para o que escreve essas linhas, nos
envolvermos muito apaixonadamente nos momentos eleitorais, que em nossa
democracia tupiniquim acontecem regularmente a cada dois anos desde que nossa Constituição foi Promulgada em 1988, mas mesmo assim, ao retornarmos para a “vida
cotidiana” relegamos ao esquecimento todos os sentimentos e ideias que nos
moveram nos “tempos de campanha”.
Outra coisa que vemos confirmar essa tese é a afirmação:
esqueçamos a eleição, ela já passou, precisamos descer do palanque eleitoral!
Mas, esquecer porquê? Esquecer o que? Em que proveito???
Essas questões dificilmente são alvo das preocupações do
cidadão e da cidadã comuns, pois outras coisas se colocam na urgência da pauta
diária: trabalho (ou a falta dele), saúde (ou a falta dela) e outras tantas
coisas que preencheriam facilmente muitas páginas.
E a política e seus atores são deixados de lado até que o
próximo escândalo nos desperte para lembrar que eles existem.
Não quero aqui, fazer um discurso moralista sobre a cultura
política de nosso país ou de nosso povo que, infelizmente, não tem se pautado
pelo que há de melhor ou confiável em nossa sociedade. Minha ideia aqui é refletir
um pouco sobre como os abusos do uso da memória e da história têm sido utilizados
como instrumento de prática de poder político.
Exemplos não faltam para essa nossa breve reflexão. Coisas
que vão desde o questionamento da importância de uma personagem como Zumbi dosPalmares para a história do Brasil, ou a derrubada da estátua de Edward Colston
em Londres, Inglaterra, até mesmo às cruzadas paroquiesquas por corrigir os
nomes dados a prédios públicos em rincões como a pequena Araruna, no Curimataú
Oriental da Paraíba.
Em todos os eventos uma questão foi posta: correções da
história. Mas vejamos as diferenças e perceberemos as motivações.
Num contexto político europeu onde a questão da migração e
dos migrantes, além do aprofundamento das lutas por respeito aos direitos
destes, toma a maioria dos países, a estátua de Edward Colston representa um
atentado a dignidade da pessoa humana, pois o personagem histórico foi um dos
maiores traficantes de pessoas escravizadas na África em direção das américas.
Seu mérito empreendedor se baseou na redução de pessoas a mera mercadoria, uma
marca da desumanidade.
De outro lado um personagem histórico bastante controverso: Zumbi.
A controvérsia, talvez, não pertença ao próprio Zumbi dos Palmares, mas como sua
imagem vem sendo construída, reconstruída, preservada ou destruída. Zumbi
representou o contrário do nosso personagem inglês: enquanto um escravizava ou
outro, nas entranhas do Brasil colonial, lutava pela liberdade e vencia. Mas sua
mera existência deixou uma profunda cicatriz naqueles que exerciam o poder na
Colônia e que, ainda hoje, têm seus representantes espalhados Brasil a fora e
que são capazes de ainda alimentar uma ferrenha luta contra a memória das lutas
abolicionistas em nosso país.
Mas e a pequena Araruna, onde se encaixa nesse contexto de
memórias nacionais? De discussões tão complexas como são as que envolvem problemas
como migração, escravidão, abolicionismo, direitos humanos?
Bem, caro leitor que chegou até aqui, todas as questões que
apresentei até aqui tem a ver com o exercício do poder, como você deve ter
vistos nas primeiras linhas deste texto. No caso específico da cidade de
Araruna, município Paraibano de pouco mais de 20 mil habitantes (não temos o
dado correto pois o Governo Federal impediu a realização do Censo Demográficode 2020) esse exercício de poder se dá através da prática política democrático-republicana,
como bem sabemos regida pela escolha periódica de representantes ao parlamento-mirim
e de uma pessoa para dirigir a prefeitura.
Apesar de vivermos numa conturbada República desde 1889, há
quase 132 anos, muitos valores dos tempos coloniais e imperiais do nosso país
parecem não se desvanecer no tempo, e um deles também marca nossa pequena
cidade: a presença de famílias que se dedicam ao exercício do poder e à disputa
pela liderança da comunidade. Somente esse tema já é bastante interessante para
uma boa conversa, mas não a teremos agora.
Importa notar que vemos marcas dessa cultura ao andarmos nas
ruas de Araruna, nos nomes de ruas e avenidas, prédios e equipamentos públicos,
que visam homenagear ou meramente fazer menção à memoria de pessoas que exerceram
atividades decisivas ou contribuíram de algum modo ao desenvolvimento das
comunidades ararunenses.
Mas, como em todo ambiente onde se exercita a política, nem
todos os grupos parecem estar representados nessas “homenagens” ou, ao menos,
não se identificam com os valores preservados com as memórias de certos
personagens. E, tal como fizeram à Akhenaton, faraó da XIII dinastia no Egito Antigo,
iniciam um processo lento, mas parece, constante de apagamento de memória.
O faraó foi vítima póstuma do apagamento de sua memória:
suas estátuas, imagens e até os nomes inscritos nas paredes foram depredados,
destruídos, apagados ou simplesmente enterrados, na esperança de que sua existência
fosse extinta da história do Egito.
É claro que não estamos no Egito, nem podemos comparar faraó
com qualquer cargo político na nossa República ou em nossa pequena Araruna, mas
vejo semelhanças ao que vem acontecendo em equipamentos públicos de nossa
cidade, especialmente aqueles que ostentam ou ostentavam o nome de José TarginoMaranhão, falecido neste ano de 2021 como mais uma vítima da Pandemia da Covid
enquanto exercia o cargo eletivo de Senador da República, representando o povo
da Paraíba.
É importante a esta altura dizer que a derrubada da estátua
de Edward Coslton, os questionamentos à Zumbi, ou mesmo o apagamento do Faraó
Akhenaton, foram e são lastreadas por extensas e muitas vezes convulsivas
mobilizações sociais, evidentemente cada uma a seu tempo, e exercendo profundas
discussões nas sociedades de cada país.
Então, lanço umas perguntas: a que serve o apagamento do
nome do Senador José Maranhão, inclusive de um pequeno ginásio de nossa cidade?
Que tipo de justiça social se está fazendo? Que tipo de correção histórica se está
fazendo?
Ainda outras questões se colocam: será que esse apagamento
atende aos anseios da maioria da população ou a apenas algum grupo isolado? Ou
ainda a uma pessoa isolada?
Há muito o que se discutir aqui. Mas uma percepção tenho: não
se pode corrigir erros cometendo outros. Os fins jamais irão justificar os
meios.
Acredito que seria muito mais salutar para nossa comunidade levar
o assunto da mudança dos nomes dos equipamentos públicos à consulta popular e ao
necessário debate público das razões da mudança e não levar a cabo um projeto
aprovado no apagar das luzes de uma legislatura do parlamento mirim.
Há muito caminho ainda a percorrer...
Considero interessante o conteúdo desse texto no que se relaciona a História Política e Administrativa de Araruna. Assim, possibilitando que a População tenha conhecimento, e se necessário, possa se manifeste sobre possíveis HOMENAGENS PÚBLICAS, conforme citação e comentários no presente texto.
ResponderExcluirAcredito que alguem ou alguns podem ter o pretexto de "elininar" o excesso de memórias da familia Maranhão na cidade. Nao vejo justiça nisso, assim como tambem nao vejo nescessidade, tendo em vista o fato de nao trazer nenhum benefício para os moradores da cidade. Homenagens devidas sao importantes ate mesmo para a construçao da historia e da memoria do municipio. Tanto em Araruna quanto em outros lugares no Brasil o que vemos é muita vaidade nos politicos, que ao invés de pensar somente no bem estar das pessoas só pensam e si mesmos.
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