Por, Prof. João Andrade. M∴ M∴
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este
ano de 2022, celebramos o bicentenário da Independência do Brasil e, apesar do
muito que se sabe a respeito do marco referencial de seu nascimento enquanto
nação, ainda resta muito por se discutir e compreender. Nesse aspecto as
narrativas a respeito da participação da sociedade brasileira e suas
instituições, especialmente a Maçonaria, ainda reserva um grande espaço para
pesquisa e compreensão dos elementos históricos envolvidos.
A respeito das reflexões sobre os eventos
que levaram ao processo de separação do Brasil do Reino Unido de Portugal, na
historiografia nacional, se tem a compreensão de que estes teriam sido o
resultado do esgotamento do modelo econômico colonial e das consequentes
tensões sociais internas da colônia, como nos indica o Márcio Maciel Bandeira
(2016), em seu interessante artigo “A Maçonaria e a Independência do Brasil”,
ao citar as análises de Caio Prado Júnior, importante sociólogo brasileiro no
século XX.
Temos, de fato, em fins do século XVIII,
uma grande crise instalada no Pacto Colonial, modelo de exploração em vigência
já desde de o século XVI que estabelecia definitiva subordinação entres as
terras coloniais espalhadas por todo o planeta e as metrópoles, sede dos
impérios coloniais, fixadas na Europa. Muito contribuiu para essa crise as
profundas mudanças por que passava o pensamento político na Europa, com eventos
como a Revolução Francesa, que destituiu do poder o Sistema Absolutista de
monarquia, a que chamaram de Ancien Régime (Antigo Regime).
Importante denotar, também, que no Novo
Mundo, os ares apontavam também para uma nova forma de governo, que
privilegiasse os embriões das nações que floresciam em terras americanas. Nesse
contexto temos também, um evento chave para a compreensão geral do que
acontecia na virada do séc∴
XVIII para o séc∴
XIX: a Independência dos Estados Unidos, engendrada como bem se sabe com a
participação fundamental da Maçonaria Norte-Americana.
Havia, tanto na Europa, quanto na América
uma profunda crítica às práticas coloniais e aos atrasos das monarquias absolutistas
que ainda arrastavam em seus mantos costumes e leis dos tempos medievais, e que
já não eram capazes de responder às demandas de sociedade em plena transição
para o estabelecimento do sistema capitalista. Alimentados pelos ideais do
Movimento Iluminista, este próprio fruto do Renascimento da Ciências ocorrido
no século XVI, os movimentos separatistas e contestadores do Pacto Colonial,
que se espalharam por toda a América, propunham essencialmente uma grande
mudança para seus territórios: a fundação de nações independentes organizadas
segundo os valore republicanos e democráticos.
A Maçonaria, inevitavelmente, não passaria
incólume nem inerte por esses períodos de grande movimentação política e de
pensamento em todo o mundo e, consequentemente, também no Brasil, a Ordem se
torna espaço de profundos e acalorados debates sobre o projeto de nação que
começa a tomar corpo no início do século XIX.
Resta bastante claro, também na
historiografia, que os espaços constituídos pela maçonaria no Brasil nos inícios
do século XIX exerceram influencia crucial no ideal liberal que propugnava a
separação do Reino Unido de Portugal. Como exemplo claro deste contexto temos a
Revolução Pernambucana de 1817 que, sendo liderada irmãos maçons, se caracterizou
como um movimento inspirado nos ideais liberais difundidos à época pelo
Iluminismo. Aqui vemos, efetivamente, o extravasamento do debate livre de
ideias, típico da Maçonaria, produzindo frutos na sociedade. A presença dos
ideais iluministas na região de Pernambuco deveu-se à existência de uma loja maçônica
conhecida como Areópago de Itambé fundada por Manuel de Arruda Câmara ainda em
1797, como nos aponta o autor Daniel Neves Silva.
Os ideais liberais e revolucionários
presentes nos debates e nas ideias propagadas pelos maçons oitocentistas
provocaram forte reação do Regente do Reino Unido de Portugal. Notadamente é D.
João VI que eleva os processos de impedimento e perseguição à Ordem Maçônica,
fechando as lojas existentes à época, proibindo a abertura de novas Oficinas,
além da abertura de processos criminais contra maçons.
O autor Alexandre Mansur Barata (2013), em
seu trabalho “Maçonaria no Brasil (século XIX): história e sociabilidade”,
indica que, em pesquisas realizadas nos arquivos do Tribunal do Santo Ofício
(Inquisição) e da Intendência Geral de Polícia (Lisboa e Rio de Janeiro), entre
os anos de 1790 e 1821, conseguiu identificar, além de centenas de denúncias,
um conjunto de 38 processos referentes ao crime de maçonaria nos arquivos da
Inquisição de Lisboa. Dos 38 processados, onze eram militares, sete eram
membros do clero, cinco eram negociantes, dois eram funcionários públicos e
doze possuíam outras profissões. Quanto à naturalidade, 26 eram originários do
Reino de Portugal; 04 eram naturais do Brasil e 08 eram estrangeiros.
Nesse ponto, devemos ter o entendimento de
que a história da Maçonaria, em terras brasileiras, está umbilicalmente ligada
ao processo de construção de um projeto de nação, uma vez que é somente a
partir dos primeiros anos do século XIX que vemos ser fundadas diversas Lojas
e, inclusive, o Grande Oriente do Brasil, ou Brasílico, sendo este ato em si já
uma contestação ao Grande Oriente Lusitano e ao poder exercido pela metrópole
Portuguesa sobre o Brasil.
Rapidamente, a Ordem experimentou um
grande crescimento, decorrente dos motivos que nos apresenta o Irm∴ Alexandre Mansur Barata,
segundo ele,
A maçonaria era vista, ao mesmo
tempo, como canal de mobilidade social, rede de proteção e solidariedade,
espaço de aprimoramento moral e aperfeiçoamento intelectual de seus membros. Em
certo sentido, essa capacidade de atração estava relacionada a sua
identificação como espaço de construção de uma cultura política marcada pela
prática do debate, da representação, da elaboração de leis, da substituição do
nascimento pelo mérito como fundamento da ordem social e política.
Em apenas três meses, aproximadamente, no
ano de 1822, as três lojas maçônicas regulares existentes na cidade do Rio de
Janeiro, Commercio e Artes, União e Tranquilidade e Esperança
de Nictheroy, iniciaram 152 novos membros. Grande parte deles recrutados
entre empregados públicos, militares, negociantes, religiosos, profissionais
liberais, como ainda nos indica Irm∴ Alexandre
Mansur Barata.
A partir do contexto apresentado acima,
podemos perceber uma crescente movimentação dos ideais maçônicos por toda a
sociedade oitocentista no Brasil. A fundação de novas lojas e a criação do
Grande Oriente do Brasil, tiveram fundamental influência para os eventos
históricos que eclodiram com a Proclamação da Independência em 1822.
O Irm∴
Mansur, nos revela que a maçonaria era um espaço privilegiado de discussão e de
articulação política, mas também um espaço do confronto entre os diferentes
projetos políticos que mobilizavam aqueles homens. Os maçons no Brasil nesse
período não formavam um conjunto homogêneo ou uniforme, ao contrário, os
espaços maçônicos eram cruzados por diferentes disputas, projetos e ideias. A
defesa pela livre expressão de ideias ao tempo que representa grande riqueza,
também representou a principal fragilidade, pois as dificuldades de formação de
um consenso geraram cisões e divisões que marcaram a história da maçonaria no
decorrer dos séculos XIX e XX.
Nesse período exerceram grandes papeis os
IIrm∴ José Bonifácio de Andrade
e Silva e Joaquim Gonçalves Ledo, respectivamente o Grão Mestre o 1º Vigilante
do Grande Oriente do Brasil. O Irm∴ Márcio Maciel Bandeira,
nos informa que Gonçalves Ledo era um homem de negócios tendo iniciado os
estudos de Direito em Coimbra, porém não concluiu para cuidar dos negócios da
família. Já Bonifácio estudou Ciências Naturais e Direito em Coimbra, morou
mais de trinta anos na Europa, tendo passado dez anos de sua vida percorrendo
aquele continente, e de volta ao Brasil (1819) foi Vice-Presidente da Junta
Governativa de São Paulo (1821), e depois foi para o Rio de Janeiro onde foi
nomeado ministro do príncipe regente D. Pedro.
Ambas personagens históricas irão exercer
fundamental influência nos debates, dentro e fora da Ordem Maçônica, que
culminaram na declaração de independência do Brasil, apesar de seguirem linhas
de pensamento político diferentes: Bonifácio defendia posições monarquistas,
enquanto Gonçalves Ledo acreditava na criação de um estado de contornos
republicanos.
A disputa sobre a conquista por maior
influência sobre o Príncipe Regente, fez com que este fosse iniciado na Ordem
Maçônica, na Loja Comércio e Artes, no dia 02 de agosto de 1822, adotando o
nome simbólico Guatimozim, em homenagem ao último imperador Azteca. Por ordem
do então Grão Mestre, José Bonifácio, foram dispensados os trâmites e
exigências e em poucos dias “Pedro Guatimozim” foi exaltado ao grau de Mestre
Maçom. O Irm∴ Márcio
Maciel Bandeira, nos informa que esta foi uma clara tentativa do Grão Mestre em
demostrar que queria trazer D. Pedro para a maçonaria para aumentar a
influência sobre o futuro imperador.
Em ato contínuo, em meio à disputa pela
influencia sobre o futuro imperador Gonçalves Lêdo, em reunião realizada no dia
14 de setembro de 1822, anuncia que Dom Pedro, havia sido escolhido como novo
Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil sendo empossa em 05 de outubro de 1822.
Ambas as correntes de pensamento em
disputa no seio da maçonaria brasileira nas primeiras décadas do século XIX, de
fato conseguem constituir fundamental ação no processo definitivo de independência:
influenciando o futuro imperador e lhe dando a segurança de que as principais
lideranças tanto políticas como econômicas do Brasil estariam de seu lado e
apoiariam a decisão pela separação de Portugal. Como se vê na historiografia, a
corrente maçônica defendida por José Bonifácio, de cunho monarquista, foi a que
logrou êxito nos primeiros momentos da nova nação surgente, tendo o Brasil se
tornado independente de Portugal e Dom Pedro tendo fundado o Império do Brasil,
sendo seu primeiro monarca. Os anseios republicanos ainda vivos nos debates
maçônicos foram, então, fortemente reprimidos pelo próprio imperador que também
exercia a principal liderança entre o povo maçom brasileiro.
Por fim, resta bastante claro que a
independência do Brasil foi, como registra a história, um evento de grande
duração e complexidade, com muitas participações e reviravoltas, haja vista a
participação de personagens das mais diversas origens e condições políticas.
Mas, é preciso também demonstrar que a participação da Maçonaria foi crucial em
grande parte do processo: uma vez que propugna a livre circulação de ideias
entre toda a Fraternidade, facilitando que os ideais da independência pudessem
ser discutidos e debatidos por um grande número de pessoas, sem as
interferências do poder da metrópole portuguesa.
Evidentemente, não me presto com estas
notas, encerrar o malhete sobre esse assunto deveras importante e
instigante sobre a história bicentenária
da Independência do Brasil, mas sim oferecer um pouco mais de informação para que as narrativas possam ser lembradas, revisitadas
e discutidas, mantendo-se viva as memórias dos intrincados eventos de nossa
independência.
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REFERÊNCIAS.
BANDEIRA, Márcio Maciel. A maçonaria e
a independência do brasil. Revista “O Buscador”. Campina Grande, v. 2 n. 1, 2016. Disponível em: https://www.gvaa.com.br/revista/index.php/OBuscador/article/view/5046.
Acesso em 20 de ago. de 2022.
BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria no Brasil (século XIX): história e sociabilidade. In: REHMLAC+, Revista De Estudios Históricos De La Masonería Latinoamericana Y Caribeña Plus, (1). Edicação Especial UCLA - Grand Lodge of California, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.15517/rehmlac.v0i1.22547. Acesso em 26 de ago. de 2022.
SILVA, Daniel Neves. Revolução Pernambucana de 1817. Mundo Educação Uol, s/d. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/a-revolucao-pernambucana.htm#:~:text=A%20presen%C3%A7a%20dos%20ideais%20iluministas,partir%20do%20Semin%C3%A1rio%20de%20Olinda. Acesso em 26 de ago. de 2022.
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